Essa semana, deparei-me com dois sociólogos de renome internacional trazendo reflexões próximas sobre a educação. Para um, o sociólogo francês Michel Maffesoli, o “sistema educacional não funciona mais” e para o outro, o também sociólogo Manuel Castells, a educação está obsoleta. E aí, o que vocês acham disso? O sistema educacional ainda funciona ou não? Se sim, para que funciona? Se não, o que será desta sociedade sem um sistema funcional? O que deveremos fazer a respeito disso? Segue a entrevista que Maffesoli deu ao Jornal Zero Hora e o vídeo com a palestra de Castells sobre o assunto, leiam, vejam e reflitam sobre essas e outras questões.
“O sistema educacional não funciona mais”, diz Michel Maffesoli
O sociólogo francês conversou com Zero Hora durante sua visita à Unisinos, em São Leopoldo
Pesquisador titular da Sorbonne, na França, Michel Maffesoli se debruça sobre as controversas questões da pós-modernidade com visível apaixonamento. Seus estudos e livros sobre tribalização, sociedade e educação fazem dele uma referência nos temas que circundam os novos tempos – com especial olhar para a juventude. Mas não se engane: ainda que a gravata borboleta e as meias coloridas deem ao sociólogo uma aparência amistosa, há muito de provocador e polêmico no que diz. Ele também é encantado com o Brasil, que diz ser o laboratório da pós-modernidade, onde se pode observar as nuanças de um mundo em transformação. Maffesoli recebeu ZH no café da biblioteca da Unisinos, em São Leopoldo, onde falou, na última terça-feira.
Zero Hora – Um ano depois da eclosão das manifestações no Brasil, assistimos a um esfriamento dos protestos nas ruas. Como o senhor analisa o fenômeno da participação popular nesses eventos?
Michel Maffesoli – Não acho que as pessoas participam para mudar o mundo. Me parece que elas estão juntas para estarem juntas. Eu falo especificamente das manifestações. Não são mais preocupações políticas, uma busca de uma sociedade perfeita, mas essa ideia de tribo, de estar junto em busca de algo. Na ação política, há uma motivação racional, mas o estar junto tem uma motivação emocional. É uma dicotomia entre racional e emocional.
ZH – O senhor acredita que essas ações perderam a força política?
MM – Há uma diferença fundamental entre a ação política, com uma finalidade, e a explosão, como vimos, que é momentânea. Por um momento, há a marcha e seus efeitos. Isso tem uma finalidade, é pontual e tem consequências. Mas há uma diferença entre as mobilizações que tínhamos antes e as de hoje. Na pós-modernidade, elas são muito intensas e diferentes entre si, mas, ao mesmo tempo, são muito efêmeras.
ZH – Aqui no Brasil se comentou muito a questão do vandalismo nas manifestações. Na sua opinião, qual é o sentido dessas ações violentas?
MM – Chamar essas ações de vandalismo é uma estigmatização. Toda manifestação tem essa característica de quebrar, romper algo. Romper as vitrines, quebrar coisas. Na França também é assim, como no Brasil, na Espanha também é. Na Europa, as manifestações também têm esse caráter de violência e há uma ligação entre esses eventos, que é justamente esse caráter emocional. Há uma grande importância nesse ato que rompe a sociedade de consumo, porque você quebra os objetos que representam essa sociedade de consumo. Há uma diferença entre destruir as coisas e quebrar as coisas. Não enxergamos a vontade de fazer com que essa sociedade não exista mais. Quando você quebra algo, a coisa ainda está lá, é uma ruptura, um demantelamento. Em particular, isso é representativo para as gerações mais jovens, que não se enxergam mais representadas e têm um sentimento forte de não-pertencimento a essa sociedade de consumo.
ZH – Nas ruas, há grupos com visões de mundo muito diferentes. Ainda assim, a agenda é comum. Por quê?
MM – Essa é a diferença essencial entre a modernidade e a pós-modernidade. Na modernidade, as organizações políticas eram mais cartesianas, em torno de programas. Hoje, nessas manifestações, não é importante um programa, mas uma questão de sentimento. O estar junto. Não é mais a razão, é o sentimento.
ZH – Então a pessoa que está ao lado, defendendo a mesma bandeira, pode pensar completamente diferente?
MM – Sim. Porque não é o que você racionaliza que é importante, mas o que você sente.
ZH – E é por isso que é tão difícil entender esses eventos?
MM – Sim. Esse é o problema da desconexão, da defasagem, entre as elites e as gerações jovens. Não posso falar pelo Brasil, mas na França, onde publiquei recentemente um livro que se chama Les Nouveaux Bien-pensants, em que converso com jornalistas, universitários e políticos, mostro que as elites não compreendem as gerações mais jovens. Elas, as elites, têm um pensamento muito programático.
ZH – O que mudou no conceito de opinião pública com o aumento de relevância de fóruns e das redes sociais na internet?
MM – Eu penso que não há mais uma única opinião pública, mas um mosaico de opiniões públicas. E isso pode ser visto por toda a internet, em blogs, em fóruns, nas redes, é um mosaico, uma variedade de opiniões públicas. Então, há uma diferença entre a opinião publicada e a opinião pública. Antes, as opiniões publicadas eram apenas as opiniões das elites, e isso fazia delas “a opinião pública”. Hoje, há uma fragmentação que é contemplada pela internet. Esse mosaico permite que essas opiniões sejam publicadas, ainda que não sejam vistas pela sociedade como a opinião pública.
ZH – No Brasil, temos uma discrepância entre o modo de agir e pensar desses jovens e o sistema educacional. Na sua visão, é preciso fazer uma grande ruptura nesse sistema?
MM – Eu hesito em responder, prefiro responder de uma maneira provocadora. Eu penso que o sistema educacional é um sistema totalmente apodrecido, que não funciona mais. Acontece que a educação está baseada na pedagogia, e eu entendo que a pedagogia, e por isso eu disse que responderia de uma maneira provocadora, quando ela não é mais pertinente, ela se transforma em pedofilia. Por isso é um sistema apodrecido. Eu não acho que haja uma reforma possível para a educação, mesmo as progressivas. Eu diria que a educação moderna, que havia antes, não é baseada em iniciação, e há uma diferença entre educação e iniciação. A educação, que vemos em universidades e instituições e funcionou bem durante a modernidade, é verticalizada. Enquanto que a iniciação é horizontalizada. A iniciação tem uma ideia de acompanhamento e encontra um ponto de ajuda justamente na internet. É um paradoxo pós-moderno. A iniciação encontra paralelo antropológico na ideia das tribos antigas, quando as pessoas eram iniciadas. Na pós-modernidade se volta para a iniciação, mas com a utilização da internet. As instituições educacionais estão coladas a uma ideia de verticalização: eu sei algo que você não sabe e eu estou passando conhecimento para você. Na iniciação, há uma horizontalização, como na wikipédia. A internet mostra que é assim que as coisas vão funcionar na pós-modernidade, com a ideia de compartilhamento.
ZH – No mundo do trabalho há também essa dificuldade de adequar jovens aos sistemas verticais?
MM – A hora-trabalho é uma ideia vertical e moderna, ao passo que hoje os jovens têm mais apego a questões ligadas à criatividade. É uma mudança de valores, uma questão da qualidade de existência. Não se quer mais perder a vida para ganhar a vida. Há uma dicotomia. Não querem mais perder a vida para ganhar a vida, não querem mais desperdiçar a vida para ganhar algo. Os jovens têm a ideia de transformar a sua vida em uma obra de arte. Esse é um dos cernes da diferença entre a modernidade e a pós-modernidade.
ZH – E como ficam as profissões mais tradicionais, em campos como Medicina, Direito e Engenharia? Há um risco de os jovens perderem o interesse nesse tipo de profissão?
MM – Numa perspectiva a longo prazo, passaremos a ver as pessoas tendo mais vidas dentro de uma mesma vida. A pessoa não terá mais uma profissão fechada. Dentro dessa ideia, existirá um alongamento da vida e, por isso, as pessoas poderão ter não só uma profissão, como advogado ou professor, mas transitarão mais. As pessoas não terão uma função, mas sim um papel. São questões pré-modernas que eu acredito que vão voltar. O sujeito não tinha uma função, mas um papel dentro do grupo.
ZH – Isso também pode se refletir na família?
MM – Sim, passa pela família. Não teremos mais famílias mononucleares, com um pai, uma mãe e as crianças. Isso se espalha também pela formação da família, pelas possibilidades de sexualidade. Serão novos modelos de família e, ainda dentro dessas famílias, novas maneiras de exercitar esses núcleos.
ZH – Como se preparar para lidar com duas visões tão diferentes de mundo, entre os jovens e os mais velhos? Não são visões de mundo conflitantes?
MM – Não acredito que vá haver um conflito tão intenso. Eu não penso que há um choque. Simplesmente, os mais velhos irão desaparecer progressivamente (risos). Eles vão morrer, e os jovens vão dominar a sociedade e carregarão esses novos valores. As próximas gerações serão as constituintes e as mais velhas irão caducar e desaparecer.
ZH – Então, não há caminho de volta?
(risos) Não, não há. Assim é a vida.
Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2014/04/o-sistema-educacional-nao-funciona-mais-diz-michel-maffesoli-4473443.html – acesso em 16/04/2014.
Manuel Castells
Francisco das Chagas Lima Machado disse:
É um tema bastante inerente ao processo de pós-modernidade. O papel funcional da educação é, por natureza, construir pessoas que sejam capazes de desenvolver um senso crítico, e esse,seja adaptável a sociedade contemporânea. Contudo, falhas horrendas podem ser vista no sistema educacional. Construir uma nova Educação séria, num tanto, desafiador a sociedade atual, visto que teria que mexer numa base já estabelecida e fixada desde os princípios educacionais. Seria um jogo voraz. Mas não há nada que não seja adaptável as novas transformações, isto é, o sistema, mesmo caminhando nestes moldes, ainda funciona e, sem ele, a sociedade formaria pessoas órfãos da base do papel de inserção à sociedade atual.
Fábio Vieira de Carvalho disse:
SOBRE O TEXTO:
Pelo o que pude observar, o sociólogo francês Michel Maffesolli é um pouco radical nas suas opniões. Embora eu concorde em parte com suas corrente de pensamento, principalmente quando comentou sobre as manifestações, discordo quando diz que o sistema educacional não funciona mais e não tem mais jeito.
O sistema educacional brasileiro apresenta uma série de patologias, tais como sua fragilidade, falta de profissionais qualificados e de ferramentas – levando em conta a rede pública -, mas ainda assim tem jeito. O caminho é pensar no desenvolvimento, não para um grupo de pessoas apenas, mas sim para a população. Disponibilizar meios, oportunidades para todos, valorizar os profissionais da educação. É difícil, mas se encarar os problemas de frente, dá certo.
Só uma dúvida, quando Maffesolli fala que “pedagogia, quando não mais pertinente, se se transforma em pedofilia”, o que ele quis dizer?
QUANTO AO VÍDEO:
Manuel Castells fala de uma dupla função que a escola apresenta, a primeira voltada para transmissão do conhecimento (aprendizagem), e a segunda, uma função que não tem nada a ver com a primeira, que é impôr (transmitir) valores dominantes das classes que dominam sobre as dominadas, reforçar cada vez mais o poder das instituições. Ele comenta ainda, que a pedagogia tem o objetivo de, somente, transmitir informações, o que não e grande coisa nos dias de hoje, pois segundo ele, a informação está na internet, em qualquer lugar. O ideal seria desenvolver critérios para buscá-la e combiná-la em projetos, aprender por meio de debates, de interações entre professores e estudantes.
É assim que tem que ser. A educação tem que deixar de ser – como está deixando – transmitida de forma unilateral e passar a construir-se por trocas de saberes.
radamesrogerio disse:
Também tive dificuldade para compreender essa passagem sobre a pedofilia. Mas atente para o fato de que Maffesoli está sendo provocador como ele próprio anuncia. No primeiro momento, eu achei que a palavra podia ter um sentido diferente daquele pelo qual ela é conhecida e que ele estivesse aplicando esse sentido, mas quando olhei em vários dicionários, mas não encontrei outro sentido. Então fui procurar no contexto. Pedofilia se refere à atentar contra criança ou menor, pedagogia diz respeito, no ensino fundamental e médio, dentre muitas outras coisas, a educar crianças e adolescentes, quando a escola, o sistema de ensino apodrece ele deixa de ser benéfico, tornando-se, contrariamente, maléfico, ou seja, deixa de ser uma pedagogia e se transforma em algo que atenta contra o seu público, como um é um público de menores, chegamos à pedofilia. Entendeste?
Ieltsen Pinheiro disse:
são visões totalmente aceitáveis e com fundamentos, quando é dito que a educação está apodrecendo. Tudo precisa de uma revolução, precisa de uma mudança, precisa habituar-se à sociedade, nesse caso à sociedade contemporânea, precisa-se de discussões sobre um determinado assunto, não de um texto duro, sem opções para reflexão ou algum tipo de pensamento critico, devem existir portas, portas próprias para pensamentos paralelos aos assuntos, não somente de uma caminho ao que trata o texto ou o assunto, ou o livro, um diálogo seria o início de todo esse processo de revolução, perguntas como: “o que você acha?”, “o que você tem a dizer sobre isso?”, “você concorda?”. Manuel Castells chegou a falar quase nessa linha de raciocínio quando fala que o aluno vem aprender o que o professor leu na semana passada… e pronto, tudo precisa de uma certa mudança, sejam conseguidas espontaneamente, ou as vezes de métodos mais fortes.
Ieltsen Pinheiro.
Biologia – UESPI – Bloco 2/ tarde.
ariel cristine disse:
Para Manuel Castells a educação tem duas funções: despertar habilidades , conhecimentos e transmitir valores e deve deixar de se preocupar apenas em transmitir informação. Ele diz também que toda informação já esta na internet que precisamos então é apenas aprender critérios para busca-la e combina-la. A meu ver ele tem toda razão, as informações nos temos o que falta é direcionamento. Precisamos separar o útil do inútil decidir quais tipos de informações são realmente necessárias e criar critérios facilitaria isso.
Carlessandro disse:
O Sistema Educacional brasileiro (especificamente público) sem sombra de dúvidas se encontra em um verdadeiro colapso.
Além de uma reforma político-estrutural, é preciso uma iniciação adequada na educação visto que é durante a infância que se deve trabalhar mais profundamente na ruptura de pensamentos antiéticos que resultarão na indisponibilidade de crescimento intelectual para a criação de uma sociedade melhor.
É preciso usar do que se dispõe para o beneficio mútuo. Como diz na frase: “colheram-se no futuro os frutos que se plantam no presente.”
Carlessandro Boaventura (2º bloco)